Até quando?
Essa é uma pergunta que todo o empresário industrial gostaria de fazer, em face dos sérios problemas que enfrenta, os quais geram custos adicionais, ditos custos de transação ou “custos Brasil”. Apresentaremos, para seu julgamento e busca conjunta de soluções, algumas situações que bem poderiam ter ocorrido em sua indústria, ao enfrentar as exigências burocráticas de nossos poderes públicos, em especial órgãos ambientais, Ministério do Trabalho e Receita Federal. Se não forem resolvidas, essas exigências descabidas acabarão por inviabilizar as nossas empresas.
Lembro muito bem de uma troca de ideias que mantive, ainda estudante de engenharia, com o proprietário de um curtume de Novo Hamburgo. Tratava-se de um dos muitos imigrantes que vieram enriquecer o Brasil com seus conhecimentos técnicos. Queixava-se ele das novas regras governamentais de então, emitidas para combater a poluição ambiental. Não das regras em si, mas da forma como vinham sendo aplicadas, com propostas de propina para a não implantação. A aceitação deste fato dependeu da anuência dos empresários, que se tornaram corresponsáveis pela criação de um sistema de propinas até hoje praticado de forma generalizada. O que ocorria de prático era que, em lugar de proteger o meio ambiente para benefício da coletividade, admitia-se pagar propina regular a um fiscal. Tanto no passado quanto no presente, a falta de ética atinge os dois lados desta relação.
Hoje as peripécias continuam e, do lado governamental, envolvem exigências veladas ou, raramente, expressas, para não comprometer. Elas são caracterizadas, por exemplo, pelos prazos descomunais necessários para conseguir uma licença ambiental, hoje uma ocorrência costumeira. Parte deste processo começa com as prescrições constantes na própria legislação. Quanto às especificações das normas, há casos de inexistência de limites claros a serem cumpridos ou ainda exigências descabidas, fixadas em função de normas estrangeiras nas quais foram “acertados” os limites. Na falta de especialistas nos diversos ramos da atividade industrial, particularmente de fundição, os órgãos burocráticos valem-se de sua prepotência para exigir absurdos, tais como a montagem de sistemas de precipitação de partículas sólidas na queima de GLP.
A seguir, apresento dois casos práticos que eu gostaria de submeter à apreciação de vocês. O primeiro refere-se a um pequeno empresário, uma classe usada pelo governo para altas propagandas institucionais. Como empresa de um homem só, ele trabalhou e teve sucesso. Com isso, resolveu aumentá-la e, após um par de anos, atingiu um porte que exigia licença ambiental, algo secundário em comparação com os problemas até então enfrentados. O pedido de licença foi encaminhado por meio de uma empresa especializada, com absorção dos custos correspondentes. O fiscal da entidade ambiental envolvida visitou a empresa e, arbitrariamente, aplicou uma multa. Um absurdo para uma entidade que, acima de tudo, deveria estar ali para orientar, especialmente aqueles que demonstram boa vontade em resolver seus problemas. A multa foi paga para evitar discussões. A este montante somaram-se as despesas adicionais com advogados, um dos custos de transação acima mencionado, e os gastos com o encaminhamento da própria licença.
O segundo caso é o de uma pequena fundição que operava um forno de fusão aquecido a óleo combustível. Após visita do fiscal e consciente de seus problemas ambientais, a empresa contratou uma empresa especializada para projetar e instalar equipamentos adequados. Resolveu o problema, o que foi constatado pela agência ambiental depois de avisada. O fiscal aprovou as instalações, mas multou a empresa por não ter previamente submetido o projeto à aprovação. É o cúmulo, considerando que a fundição havia resolvido o problema sem submetê-lo a julgamento por um órgão que normalmente se considera incapaz de apresentar qualquer sugestão técnica. Também aqui a multa foi paga para não haver contratempos. Esta multa também caracteriza um custo de transação.
Pode-se encaminhar uma defesa contra medidas que se julguem descabidas, por meio de um processo administrativo. Com isso se mostra que não estamos dispostos a compactuar com um sistema corrupto. Na realidade, este é bem amplo, pois envolve corrompido, corruptor e a sociedade como um todo, pois o valor transferido só pode ser tirado de caixa dois. O processo administrativo corre grande risco de ser negado, em razão da prepotência burocrática, que dificilmente levará em consideração quaisquer argumentos técnicos. O objetivo é outro… No caso prático, o órgão ambiental até desconsidera laudos periciais feitos por empresas por ele cadastradas e aprovadas. Assim, o tempo corre contra a empresa face ao risco de vir a ser lacrada, com repercussões incomensuráveis no caso de fundições.
O recurso seguinte é jurídico, com enormes custos envolvidos. Aí teremos novas despesas: o pagamento dos serviços judiciais e a disposição do tempo de executivos da empresa compelidos a deixarem de cumprir suas outras obrigações funcionais. Tudo para tentar explicar para novos participantes do processo que “focinho de porco não é tomada”. Um deles é o juiz, cuja perspectiva de análise e conhecimentos sobre assuntos técnicos normalmente não são completos. Por tal razão, precisa nomear algum perito que oriente o juízo, nova fonte de custos e eventual incompetência. Corre-se o risco de que tal perito não entenda especificamente de fundição ou que também seja corrupto.
Para seu julgamento, veja o que escreveu um perito sobre o processo de fundição. Respondendo à pergunta se o mesmo gera fumos, ele aditou: “sim, o processo de fundição gera fumos metálicos”. Quem escreve isso em um laudo técnico, por sua falta de conhecimento ou capacidade de expressão, prejudica a imagem do processo de fundição como um todo. Expresso por um perito, isso é uma calamidade. Com os envolvimentos de executivos e técnicos da empresa na contestação de afirmações desse tipo, feitas por meio de advogados contratados, geram-se novos custos para a empresa.
No final, aparece o questionamento inevitável: Será que não teria sido mais simples negociar uma propina? Da minha perspectiva, a resposta é não. A história do Brasil está aí para comprovar. Hoje atingimos um nível de corrupção intolerável: a malandragem chegou a um ponto tal, que os “otários” que pagam a conta não aguentam mais. O sistema de corrupção adotado para benefício de burocratas e empresários é podre; a coletividade não o suporta. A torcida para que seja extinta a corrupção é grande e exige uma posição muito firme de quem tem integridade. Só uma ação punitiva muito forte tem poder suficiente para mudar os hábitos de qualquer pessoa, em especial daquelas que estão acostumadas à malandragem, chamada de jeitinho brasileiro.
Mudar a cultura vai custar um grande esforço de todos nós. Tal esforço deve ser de longo prazo, e não de impacto, como no usual estilo brasileiro. A ética exige que em nossas decisões lembremos o que consta na obra recente de Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho, sob o título Ética e Vergonha na Cara. Em palavras singelas: “como é que eu vou contar isso pra minha mãe”. Para mudar a cultura existente, só há uma resposta possível para qualquer proposta de corrupção: “NÃO”.
Outra ameaça real à nossa competitividade industrial são as Normas de Segurança, recentemente complementadas pela NR12, sobre a qual pairam dúvidas e, especialmente, críticas. A seguir comentarei alguns pontos, questionando e sugerindo detalhes a serem atacados.
O primeiro deles refere-se a um princípio válido em acidentes, tanto de trabalho quanto de trânsito. Levantamentos mostram que a principal causa de acidentes é atribuída ao ato inseguro do operador, numa proporção de 9:1, comparada com as condições inseguras dos equipamentos. A norma não dá a necessária atenção a este fato. Muitas das novas regras complicam o trabalho do operador, sem o protegerem melhor. Deve-se observar ainda que a causa principal de atos inseguros é a falta de treinamento.
O problema começa na admissão de um novo funcionário, a quem não se patrocina o treinamento adequado, contribuindo para que no binômio trabalho e segurança, ambos sejam de qualidade inferior. Continua por faltarem normas de comportamento básicas para a execução de qualquer trabalho e por enormes deficiências no treinamento. Este treinamento deveria ser sistemático, com programas definidos. Seria muito útil que se adotasse a prática usada na aviação. A implantação de checklists é recomendável para as atividades mais perigosas. Para julgar os treinamentos que estão sendo executados, proponho observar como é feito o treinamento das brigadas de incêndio dentro da sua empresa.
Outra atividade que merece observação mais cuidadosa é a SIPAT, semana interna de prevenção de acidentes do trabalho. Já examinaste em detalhes o programa de uma delas? O que se pretende é prevenir acidentes de trabalho. Será que não há assunto suficiente a ser debatido sob esse título, a ponto de se incluírem em SIPAT’s palestras sobre AIDS e outros tipos de doenças transmissíveis? Se o objetivo é prevenir acidentes de trabalho, e há razões de sobra pra isso, não é em uma SIPAT que tais assuntos devem ser abordados. Não há espaço para eles.
Deixar burocratas e profissionais de áreas de atividades não industriais decidirem sobre a prevenção de acidentes do trabalho foi uma temeridade. Recomenda-se uma revisão criteriosa das normas estabelecidas, com a participação de engenheiros e técnicos industriais. Se assim não for feito, corremos um sério risco de inviabilizar algumas de nossas atividades industriais, o que será um desastre nacional.
No passado, nossas entidades representativas não participaram do processo de estudo e implantação das normas de segurança. É tempo de fazê-lo, com seriedade.
Uma das diretrizes recomendadas é fugir de uma tendência mundial: proibir. Existe proibição pra tudo. O que não se especifica é como fazer, pois isso dá trabalho e implica em assumir responsabilidades atípicas da burocracia.
As mudanças a serem feitas nas normas, a fim de facilitar a vida das indústrias, são enormes.
Outra fonte de distorção e dificuldades para a indústria brasileira está na legislação, especialmente trabalhista e tributária. Reconhecem-se necessidades prementes de se fazer alterações básicas visando a atender às tendências de inovação características dos nossos tempos. Para que isso ocorra, é preciso que haja a participação ativa de líderes capazes de reconhecer o que é preciso fazer. A sociedade, como um todo, deve fazer pressão para que as medidas sejam implantadas. Só assim estaremos respondendo à pergunta inicial: “Até quando?”, com um “até hoje”.
Enio Heinen
(enioheinen@gmail.com)